Preciso estar em uma cidade grande para crescer na carreira?
Por Gilberto Guimarães
De fato, já não é mais essencial morar nas grandes cidades para ter acesso as melhores oportunidades de trabalho. Um processo de relocalização e descentralização de plantas industriais, iniciada nos anos oitenta, em busca de espaços mais amplos e mais baratos, levaram as empresas a saírem dos grandes centros e se deslocarem para o interior. Além disso, o motor da economia deixou de ser a indústria e passou a ser a área de serviços, que é, naturalmente, mais descentralizada. Hoje o setor de serviços representa mais de 65% do PIB, ou seja, da geração de riqueza e de oportunidades de trabalho. Finalmente, para coroar todo esse processo de grandes transformações, está ocorrendo o fenômeno do “home working”.
Vivemos em um novo mundo. Marshall McLuhan, no final dos anos sessenta, havia criado a famosa expressão “aldeia global” para tentar explicar os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade. Segundo ele as novas tecnologias eletrônicas e o progresso tecnológico tendem a encurtar distâncias e com isso levam todo o planeta à mesma situação social que ocorria nas aldeias dos primórdios tempos: um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados, trabalhando e vivendo próximos uns dos outros, em clãs ou tribos. A eliminação das distâncias e do tempo, bem como a velocidade e a facilidade de comunicação, levaram a sociedade a uma espécie de “re-tribalização”, sem muitas barreiras culturais, étnicas, geográficas e econômicas entre as pessoas. Se isto era apenas uma perspectiva naqueles anos sessenta, hoje é a absoluta realidade, sobretudo nesses tempos pós pandemia. Hoje somos todos como as “conchetas napolitanas” abrindo a janela e “fofocando” com nossos vizinhos, mesmo que eles estejam a quilômetros de distância. O celular é a nossa janela para o mundo.
A internet e as redes sociais trazem todos para muito perto e para o “aqui e agora”. Essa busca ensandecida por interconexão, essa necessidade de se expor, de saber e dizer tudo, é consequência dessa facilidade e dessa tribalização. Na tribo não há segredos, nem privacidade.
Esse fenômeno invadiu também o mundo empresarial. A maioria das empresas implantaram, ou estão sendo obrigadas a implantar, a possibilidade do trabalho híbrido ou remoto. Esta é, sem dúvida, uma das mais importantes mudanças produzidas por esses novos tempos da sociedade do conhecimento. Esta possibilidade de um trabalhador do conhecimento poder trabalhar diretamente de “casa”, ou de onde estiver, controlar seus horários e ferramentas de trabalho está alterando fortemente as relações e as formas de trabalho. As empresas, por razões estratégias e, até mesmo na expectativa de reduzir custos, estão adotando essa prática.
Já é muito grande o número de pessoas que consegue trabalhar sem ter que ir a empresa, “bater ponto” e marcar presença física, e, cada dia que passa mais empresas adotam essas práticas. Em um futuro não muito distante, provavelmente, a maioria dos trabalhadores do conhecimento vai trabalhar sem horário definido e controlado. Seremos todos pagos por trabalho executado, por resultados obtidos, e não mais pela quantidade de horas disponibilizadas. Seremos todos “mercenários temporários”. No entanto essa nova forma de trabalho não é universal, generalizável. Está mais restrita e apropriada a alguns setores e tarefas, sobretudo as das áreas de tecnologia da informação, comunicação e as tarefas mais burocráticas de gestão e controle. Também está relacionada ao momento da carreira. Profissionais iniciantes e “trainees” ainda serão “obrigados” a uma forma de trabalho mais presencial durante os primeiros anos de formação. É muito difícil prover um treinamento e desenvolvimento adequado de forma totalmente remota.
Outra atividade que continuará presencial é a do relacionamento e atendimento dos clientes. Mesmo que o e-commerce tenha assumido um volume significativo, o atendimento presencial ainda é um fator importante de valorização e diferenciação entre as empresas. Esses tempos de valorização do atendimento é definida como “economia da experiência”, no qual o foco das empresas não é mais, apenas, no que elas oferecem, mas na forma como elas entregam seus produtos e serviços. O relacionamento, o acolhimento e a consideração com o outro, passaram a ser critérios de avaliação e de percepção de qualidade. Isto pressupõe a relação, o contato.
Voltando ao tema. Caso você pretenda efetivamente trabalhar de forma remota cabe observar que o trabalho remoto pressupõe novas competências e nova organização pessoal. Não é fácil passar a trabalhar em casa, sem horário e sem controle. Falta a estrutura do tempo que a presença física na empresa propõe, faltam os “amigos” para trocar ideias e sentimentos, falta o espaço típico e específico de trabalho, falta o “cara-a-cara” que nos permite perceber a avaliação que fazem de nós. Não fomos treinados para o trabalho isolado. Para poder ter sucesso nesse processo, o profissional, e a sua família, precisam criar novas estruturas e novos hábitos. É preciso existir, na casa, um local específico de trabalho, um quarto, ou apenas um canto, não importa, mas que esteja configurado, e que seja respeitado, como local de trabalho. Um local em que ninguém entra, ninguém invade.
Outro ponto importante é criar disciplinas domésticas. O profissional precisa estabelecer hábitos e horários; o café da manhã, o banho, o vestir-se para o trabalho e ir para o quarto ou canto de trabalho, a pausa, o almoço, a volta. “Trancar-se” e trabalhar. A disciplina é fundamental. Por outro lado, os familiares devem aprender a “respeitar” os momentos e locais de trabalho, um do outro. Hoje em dia a grande maioria dos casais é de “dupla renda”, ou seja, ambos trabalham. Caso apenas um fique trabalhando de casa o problema pode ser menor, mas a necessidade de disciplina é até maior. Não fomos “condicionados” a mantermos a disciplina, sozinhos. Na escola, no trabalho, na vida, sempre fomos de alguma forma induzidos e controlados por pessoas e regras. Essa liberdade é nova. Até mesmo a nossa legislação e justiça do trabalho não estão preparadas para essa nova forma de trabalho e para essa ausência de controle de horas trabalhadas. Os contratos de trabalho ainda se referem a tempos e horários. Nos contratos de trabalho “vendemos”, na verdade, nossa disponibilidade de tempo no trabalho e não nossa competência e capacidade de entrega de resultados. O relacionamento entre empresas e empregados é estabelecido sobre um conceito de disponibilidade e lealdade mútua. De um lado, a empresa assegura segurança econômica e, de outro, o empregado deve a ela exclusividade e “comprometimento”. Este modelo pressupõe a manutenção de estruturas burocráticas de controle. Por outro lado, o modelo de trabalho remoto precisa e exige uma maior autonomia.
Existe a dificuldade de estabelecimento de uma relação direta entre o controle visual do tempo de trabalho e o desempenho e produtividade. Essa dificuldade provoca uma inadequação dos sistemas clássicos de avaliação e remuneração. As avaliações e remunerações devem variar não mais apenas em função do tempo e do esforço dos funcionários, mas, sobretudo, pelas entregas e atingimento dos resultados e prazos. Tudo isso ainda é muito novo e ainda tem muito a ser desenvolvido. Concluindo. No início da carreira ainda é importante estar presente e, portanto, nos primeiros anos você deve buscar morar nos grandes centros, mesmo que de forma temporária e compartilhada, para reduzir custos. A partir da evolução da carreira e do reconhecimento pelo mercado de suas competências e, sobretudo, atuando em áreas e setores mais propícios ao trabalho remoto, você pode buscar alternativas para voltar a morar no interior.
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